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segunda-feira, 24 de abril de 2017

Minha cara amiga branca


A solidão é uma dança que ora queima nossos pés numa valsa triste, ora nos faz sambar com um sorriso estampado no rosto. Mas hoje é uma dor, hoje é sofrimento que faz arder para além de meus pés, adormecendo minhas pernas escuras.
Os meus fios de cabelo, que de tempos pra cá vem me fazendo mais eu, tem se desapontado com meu olhar e se rebelando a qualquer mistura que nele eu passe. Minha pele se amarela a cada vez que nego minha ancestralidade. A cada negação do meu corpo, me firo e renego uma parte do que sou.
Em todas essas escolhas que faço de negar-me, minha cara amiga branca está comigo, mesmo quando  não deseja, a sua pele clara, seu sorriso estonteante, seus longos cabelos desmaranhados e seu físico proporcional, se fazem presente. Em meus pensamentos, em minha lembrança, em um ponto de referencia para a beleza desse mundo desordenado, minha cara amiga branca se faz presente.
Não se ofenda, apesar de que em alguns momentos eu gostaria de atingir-te com palavras que pudesse ser dolorosas tanto quanto as ofensas por debaixo dos panos, que sinto em mim. Por vezes gostaria que pudesses entender como me sinto, gostaria que sentisse em sua pele a dor da minha cor, a dor pela minha forma física, a dor pelo meu cabelo e a dor pelo meu olhar para a vida, mas a verdade é que somos o que somos e nada seria possível fazer, para que sentisse minhas dores. Mas não se ofenda com minha escrita, quero apenas que reflita.
A ultima opção é sempre doída, como se não houvesse nenhuma outra maneira de expressar a realidade de seu desejo, você faz uma escolha que parece até mesmo um tanto inconsequente, e as vezes é mesmo.
Meus olhos sempre varrem os ambientes, sempre buscam pares e eu os encontro, não para mim, não para mulheres negras, gordas e com o sorriso que nada igual a minha cara amiga branca. Quando vejo um par que me deixe de ser ímpar, a sua beleza branca chega e desfaz a possibilidade, o olhar insensível do outro me ignora, pelo simples fato de ser quem sou, de como sou. Meu corpo gordo, meu cabelo crespo, minha cor, meus lábios grandes... esses são os fatores que fazem o outro me olhar de uma maneira ou outra, me sexualizando, ignorando ou determinando como ultima possibilidade.
A minha solidão tem muito a ver com os pares alheios, tem muito porque de como dizemos a palavra gorda e negra.
Então, minha cara amiga branca, enquanto seu ego é apenas inflado e compartilhado, meus olhos se enchem d'água e meu coração se fecha para novas possibilidades de transformar meu olhar ou de outrem, de maneira mais generosa.